terça-feira, 16 de setembro de 2008

A obra

Acordara.

Na verdade, não havia conseguido dormir.

Os pensamentos se faziam e desfaziam nele, como ondas a se formar e quebrar.

A companhia de tais pensamentos era agradável.

Não o era para o sono, mas para todo o resto.

Havia visto algo que o forçara a ficar de olhos abertos. E, apesar de onipotente, nem ele consegue dormir de olhos abertos.

Mesmo que quisesse fechar os olhos, não poderia. Pois eles já estavam completamente entregues à visão.

Paradoxalmente, não se sentia obrigado a ver. Ao contrário, era prazeroso.

Prazeroso o suficiente para fazê-lo levantar da cama e vestir uma muda de roupas velhas, suas favoritas.

Vestido, acendeu sua vela favorita. O ambiente ficou perfeito, pois a vela lhe trouxe suas inseparáveis amigas, luz e sombras.

Com passos preguiçosos, dirigiu-se a cozinha, para encher uma taça com o seu vinho favorito.

Uma vez acompanhado e munido de seus preciosos instrumentos, sentou-se à mesa.

Espalhados na mesa, vários papéis amassados. Esteve perturbado nas últimas noites.

Pois queria impor as letras ao papel, que, sabiamente, rejeitou-as.

"A obra não espera pelo lazer do artista, mas força é que o artista acompanhe o seu trabalho, sem ser à maneira de um passatempo", disse o papel.

Foi quando Ele entendeu porque esteve perturbado.

Os últimos seis dias o deixaram um pouco rabugento.

Tanto que tentou impor as letras ao papel.

A lixeira próxima à mesa estava cheio de imposições fracassadas.

Mas isso não o incomodava. Ninguém é perfeito.

Ele sorveu o vinho e coçou carinhosamente o queixo.

Milagrosamente, o pensamento se articulou.

A ocasião propícia apareceu.

Tudo começou a fazer sentido.

A velha máquina de escrever sorriu.

Foi quando Ele escreveu o mundo...

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