sexta-feira, 6 de março de 2009

O conto de fadas do arcebispo

Pernambuco. Médicos realizaram um aborto LEGAL em uma criança de nove anos.

Criança vítima de estupro, violentada pelo próprio padrasto, que abusava sexualmente dela desde os seis anos.

Criança grávida de gêmeos.

Criança que mede 1,33m e pesa 36kg.

Não é hora aqui de discutir se se é favorável ou não aborto.

É questão de análise técnica e médica: esta menina não possui um corpo preparado para uma gravidez deste porte.

A gravidez é de altíssimo risco.

Baseado no diagnóstico, os médicos tomaram a sensata decisão de interromper a gravidez.

Vale lembrar, um aborto LEGAL, pois, além de fruto de um estupro, representava risco de vida para a garota.

A igreja católica, como todos imaginam, possui diversos dogmas. Esta palavra possui origem grega: 'dogma' deriva do grego 'dóxa', que costumamos traduzir por "opinião". 'Dóxa' é aquilo que parece certo em uma dada situação. Não sei porque motivo, esta palavra transformou-se em algo que não pode ser questionado. Um dogma não pode ser questionado. Deve ser aceito e aplicado.

Deste modo, o arcebispo José Cardoso Sobrinho excomungou os parentes da menina e os médicos envolvidos no procedimento.

E mais: segundo o digníssimo arcebispo, o aborto é um crime mais terrível que a pedofilia e o estupro.

Vale lembrar: para a igreja católica, a pedofilia não conduz uma pessoa à excomunhão enquanto o aborto conduz.

Este senhor certamente acredita que vive num conto de fadas.

Onde não há pobreza e onde todos são perfeitos. Onde todos tem noites de sono tranquilas.

Por experiência própria, sei que a noite de sono de alguém que decide por um aborto é longa.

Pois as mães que tem que decidir por um aborto, quando são de fato mães, consultam deus e o diabo p/ tomar a decisão correta.

As transformações no corpo e a sensação de estar matando algo que poderia ser seu filho não desaparecem, mesmo quando se decide acertadamente acerca de um aborto.

Graças a deus, a pedofilia e a violência contra crianças é uma realidade distante de mim.

Mas vou dizer mesmo assim: ela joga as crianças numa noite não apenas longa, mas silenciosa e aterrorizante. Muitas vezes, até se culpam as crianças pelo silêncio! Neste caso, perguntou-se porque a garota, abusada desde os seis anos, manteve silêncio.

É preciso entender o silêncio dessas pessoas. Apenas uma pequena fração de casos de abuso infantil são denunciados. Este crime permeia todas as classes sociais e não faz distinções entre ricos e pobres. O terror se entranha justamente graças à vergonha que circula ao redor do tema. É tabu. As crianças se sentem sozinhas e solitárias. E, fatalmente, silenciam.

Já ouvi casos terríveis. Crianças espancadas pelos pais, repletas de queimaduras de cigarros, fraturas, tomadas pelo medo e pela angústia. Neste exato instante, em algum lugar, uma criança está enfrentando, solitária, a sua própria noite de terror. E, por ser criança, precisa de proteção.

Ao contrário do que o senhor arcebispo pensa, a pedofília e todas as outras formas de abuso infantil não são um conto de fadas.

Mas uma história de terror sem final feliz.

Que pode fazer a igreja para ajudar a família da vítima? Por que não respeitar o silêncio? A única coisa que consegue com suas ações é assinar um atestado de burrice e insensibilidade.

Confesso que não achava ser a igreja não era capaz de tanta burrice e insensibilidade.

Um segundo de burrice. Pois não é necessário muito p/ lembrar que eles caçaram e mataram mulheres sob o argumento de serem bruxas. A inquisição matou mais que muita guerra.

No meio de tanta coisa ruim, algo me tranquiliza. Uma certeza danteana, divinamente cômica:

A certeza de que o inferno é o lugar do arcebispo José Cardoso Sobrinho e dos idiotas que o apoiam.

Observação: Não fiz a primeira comunhão. O máximo de ligação que tenho com a igreja é ter sido batizado. Agora, quero descobrir como me exbatizo...