domingo, 27 de junho de 2010

A partida sem fim

É noite.

Um dedicado avô conta histórias para o seu neto.

Durante o dia, assistiram juntos à partidas em Wimbledon. O velho senhor fora homenageado por todos.

Uma fagulha acendera no jovem garoto. O interesse no tênis brotou no garoto.

E o avô, tenista aposentado, pôs-se a contar histórias ao neto.

Mostrou-lhes os campeões: Sampras. Federer. Nadal. Borg.

O neto faz uma pergunta ao avô. A pergunta arranca o chão do senhor. Sua respiração se altera à medida que uma enxurrada de lembranças o atinge.

“Qual foi o maior jogo da história de Wimbledon?”

O avô reúne suas forças e começa a contar.

“Quando começou, era apenas um jogo entre dois tenistas desconhecidos. E nós só pensávamos em ganhar, para tentar avançar no torneio. Ignorávamos todo o resto. Eu nem sabia direito o nome do meu adversário. Eu e ele trocamos sets. Fomos para o set decisivo. Já era muito tarde e não havia luz natural, então a partida foi interrompida”

“Por que a partida não acaba, vô?”, perguntou o neto.

“Wimbledon possui uma regra sábia, meu neto. Ela não força o fim do jogo. Lá, o jogo só acaba quando acaba”, disse o avô. E o neto fez um “Ah…”, como se houvesse captado uma verdade universal.

O avô seguiu contando sua história.

“O segundo dia…”

Como explicar o que aconteceu naquele segundo dia? Como contar ao neto sobre a partida de proporções épicas? Como expressar seus sentimentos a respeito dela? Daquele dia mágico que o tornara um homem melhor? Como falar do fenômeno que ali aconteceu? O velho senhor sentiu-se inseguro, como se precisasse salvar três break points contra um campeão. Ele respirou fundo, pôs-se a tentar.

“Quando começou, nós dois só queríamos vencer e acabar a partida o mais rápido possível. Mas, então, alguma coisa maior que nós dois tomou conta da quadra. E então só começamos a pensar em tênis, tênis, tênis. Tênis. Aquele foi o dia mais feliz de minha vida, meu neto. Nele, fui tenista – só tenista. Pura e simplesmente tenista, sem me importar com mais nada. Éramos só nós dois e o Tênis. Nossa partida atravessou o dia. Não queríamos que acabasse. O público – o Federer estava entre eles – gritava: ‘Parem a partida e dêem o troféu do torneio para os dois!’, mas não queríamos troféu nenhum. Queríamos simplesmente continuar jogando e sentindo a mágica acontecer. Não sentíamos nossos corpos por causa do cansaço, mas aquela coisa maior nos fazia continuar”

“Quando estava 59-58, eu tinha um break point ao meu favor. A partida poderia acabar ali, e eu temi por isso. Aquele dia me fez descobrir exatamente a dimensão do meu amor pelo tênis. Não queria que acabasse, queria jogar para sempre. Enquanto meu adversário preparava o seu saque, eu pedia aos céus que o saque dele fosse o melhor de todos. Do contrário, nossa conversa terminaria ali. ‘Não pise na linha…’, eu pensava. ‘Acerte esse saque…’, eu pensava. Tudo o que eu desejava é que nosso abraço fosse tão longo quanto possível. E ele acertou um super ace e não me deu chance nenhuma de defesa”, completou, com os olhos já marejados. O neto continua ouvindo atentamente.

“59-59. 10 horas de jogo. Ficou escuro. Os juízes ordenaram que o jogo fosse interrompido. Nós dois protestamos, queríamos continuar jogando. Mas não tivemos escolha, e fomos obrigados a ir para um terceiro dia de jogo…”

A saudade do velho amigo dói e faz chorar o avô. Como quando a partida se encerrou.

“E o terceiro dia, vô? Quem ganhou o jogo?”

O avô sorriu para o neto, enxugando as lágrimas. E enquanto o colocava para dormir, lhe disse, com toda a sabedoria do mundo: “Isso não é importante”

E o neto dormiu. E o avô também pôs-se a dormir.

E, em seus sonhos, continuou o amoroso diálogo com seu amigo.

Um abraço que só terminará quando o amor na terra sumir.

*Pequena história escrita logo após a segunda interrupção do jogo entre Nicolas Mahut e John Isner. A partida já dura mais de 10 horas e está empatada em 59-59.