sábado, 1 de janeiro de 2011

O significado da liberdade de imprensa, ou: O oportunismo de Lula e o oportunismo de Demétrio Magnoli

"Liberdade é o direito de fazer
tudo o que as leis consentem"
Montesquieu
"Ninguém é mais escravo do que aquele
que se julga livre sem o ser"
Goethe

Em texto publicado no Estado de São Paulo, entitulada "Herói sem nenhum caráter", Demétrio Magnoli apresenta algumas informações sobre o WikiLeaks e uma crítica à Lula, o agora ex-presidente do Brasil. A leitura do texto não me chamou a atenção, pois não traz informações novas ou mesmo algo digno de reflexão. No entanto, retornei a ela após ler um texto de Caetano Veloso publicado n'O Globo (que pode ser lido aqui). Diz Caetano que a análise de Magnoli é luminosa, e que conduz o leitor ao cerne da questão de liberdade de imprensa. Ele também é mal educado ao qualificar quem são os possíveis críticos de Magnoli.

Retornei então ao texto de Magnoli, para ver se encontrava o que Caetano encontrou. E por isso escrevo isso, para dizer que Caetano Veloso está errado sobre esse texto.


O texto apresenta algumas informações sobre a WikiLeaks, afirma que Assange é um heroi - um herói estranho, mas herói -, afirma que os vazamentos rompem um princípio venerável do jornalismo, entre outros assuntos. No entanto, é a crítica que Magnoli faz a Lula que conclui o texto.

Que Lula foi oportunista ao sair em defesa da WikiLeaks não é ponto digno de polêmica. A oportunidade de ser o primeiro chefe de estado ao sair em defesa de Julian Assange e seu grupo estava lá, ele a viu e a agarrou, como um centro-avante que tem uma chance de gol e acerta o chute. E com rara felicidade o ex-presidente acertou no alvo.

Magnoli critica Lula confrontando seu apoio ao WikiLeaks com o silêncio do ex-presidente em relação ao Irã e a Cuba, e em casos de censura no Brasil. Ele está certo em observar este comportamento ambíguo do ex-presidente. No entanto, isto constitui apenas em um desvio do verdadeiro X da questão, o ponto nevrálgico e mais importante do assunto. O ponto principal do assunto em torno da WikiLeaks não é o comportamento ambíguo de nosso ex-Guia, ou se Assange é um herói ou um herói estranho, mas esse: Até agora, apenas dois chefes de estado manifestaram apoio à WikiLeaks. Todos os outros silenciam. O vice-presidente do estado mais poderoso do mundo diz que Assange é um cyber-terrorista. A questão-chave deveria ser a pandemia de ignorância acerca da liberdade de imprensa.

Magnoli teve a chance de tocar no espinhoso e necessário tema ao contar ao leitor que a publicação dos cabogramas viola um princípio venerável no jornalismo. Nas palavras de Magnoli: "A imprensa não publica tudo o que obtém. O jornalismo reconhece o direito à confidencialidade no intercâmbio normal de análises que circulam nas agências de Estado, nas instituições públicas e nas empresas"
. No entanto, o texto não passa disso. Ele assume como óbvio que sabe o que é liberdade de imprensa, assume que o leitor sabe o que é liberdade de imprensa e assume que esta noção é a mesma nele e no leitor. Aqui Magnoli se converte no mesmo blogueiro chapa-branca que crítica em seu texto: Ele simplesmente reproduz informações há muito ditas, sem oferecer temas para uma meditação. Incapaz de apresentar mesmo uma pequena reflexão acerca do sentido da liberdade de imprensa, precisa recorrer às 'fugas' para completar o texto, e por isso critica Lula de forma oportunística.

Perguntamos, então: o que é liberdade de imprensa? Obviamente, a pergunta apenas se esclarece se pensarmos o que significa liberdade. Normalmente, entendemos liberdade como uma espécie de soltura: Se não existem correntes prendendo nossas mãos ou pés ou nos fincando em um lugar específico, somos livres. Se as correntes não nos escravizam, então estamos livres. No entanto, será que estar livre das correntes equivale à ser livre? Ora, é possível estar liberto de amarras e correntes mas pensar como um escravo. Se, por um lado, as correntes não mais estão ali, por outro lado o pensamento permanece o mesmo. Sem amadurecimento e aprendizado não há liberdade possível. E como não existe manual de instrução que ensine com 100% de segurança a fórmula da liberdade, não temos outra escolha senão tentarmos ser livres através da tentativa e do erro. E será assim até não existirem mais humanos, pois este manual de instrução jamais existirá. Se assumimos que temos que constantemente aprender a ser livres, então devemos admitir que, na maior parte das vezes, somos escravos, e escravos de muita coisa: De nossa arrogância, comodidade, ignorância, entre outros grandes escravocratas.

Liberdade supõe, portanto, amadurecimento e aprendizado. Liberdade é menos "liberdade de" e mais "liberdade para". É preciso ser livre para o jornalismo, o que significa saber que se deve constantemente aprender a ser livre. Infelizmente, o que vemos em boa parte do jornalismo brasileiro são jornalistas arrogantes e que acham que são livres, quando são incapazes de mover uma mínima reflexão em torno da liberdade de imprensa. A melhor forma de defender a liberdade de imprensa não é invocar a cláusula pétrea que a protege, mas o constante aprendizado e reflexão em torno da liberdade. Afinal, tal cláusula pétrea é consequência, e não causa, deste aprendizado.

2 comentários:

Leonardo Aldrovandi disse...

Magnoli engana midiaticamente mas não quem estuda. Seu discurso tem virtuosismo de linguagem mas é profundamente violento e ideológico. A quem estuda dá a impressão de alguém que lê beiradas de livros e retira trechos para dizer o que quer, deturpando os originais.

Leonardo Aldrovandi disse...

Magnoli engana midiaticamente mas não quem estuda. Seu discurso tem virtuosismo de linguagem mas é profundamente violento e ideológico. A quem estuda dá a impressão de alguém que lê beiradas de livros e retira trechos para dizer o que quer, deturpando os originais.