quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Mozart, alaúde de Deus

Há pouco tempo, estive estudando uma conferência de 1956 proferida por um filósofo chamado Martin Heidegger, sobre a questão do ser. Uma conferência indigesta de ler, devido à gravidade e a dificuldade intrínseca ao tema.

Por causa disso, o pensador sempre recorre a exemplos. Mas não qualquer um, mas a exemplos verdadeiramente exemplares.

Eis que me deparo com esta preciosidade. Para exemplificar a seus alunos o que é o fenômeno do ser, Heidegger trouxe uma carta escrita por Mozart. Meu primeiro instinto foi traduzi-la e dividi-la com os colegas. Segue o conteúdo da carta:

"Durante uma viagem de carruagem, em uma caminhada após uma boa refeição, ou nas noites em que não consigo dormir, é quando os melhores pensamentos vem até mim.

Torrencialmente.

Então, aqueles que conseguem me agradar são os que guardo em minha mente, e às vezes até os murmuro em voz alta (ao menos é o que os outros me dizem).

Agora, se eu permanecer com eles, logo uma parte atrás da outra vem até mim, como se eu estivesse coletando migalhas para fazer massa, de acordo com as regras do contraponto e com a ressonância dos vários instrumentos. Isto acende a minha alma, isto é, se não sou perturbado.

Então a massa fica grande e eu a espalho, sempre completa e lucidamente, e a coisa fica praticamente plena na minha cabeça, ainda que seja muito longa, de modo que olho com a mente para ela e a vejo como uma linda pintura ou como um belo homem, e a ouço na imaginação de modo algum serialmente, como partes que se sucedem, mas como se ouvisse tudo ao mesmo tempo.

Isto é um banquete!

Tudo - o procurar e o compor - procede em mim como um lindo e vívido sonho. Mas o ouvir a tudo ao mesmo tempo é, de fato, a melhor coisa"

Ao fim do exemplo, completa o filósofo: a música transformou Mozart no "alaúde de Deus".

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