quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Saint Exupéry

"Jean-Marie Conty falará, aqui, sobre os pilotos de testes. Conty é politécnico e acredita nas equações. Ele tem razão. As equações engarrafam a experiência. Mas é raro, afinal de contas, no campo da prática, que nasça da análise matemática a máquina, como o pinto nasce do ovo. A análise matemática precece, às vezes, a experiência. Mas, muitas vezes, contenta-se por codificá-la, o que, aliás, é um papel essencial. Medidas grosseiras demonstram ue as variações de tal fenômeno estão perfeitamente figuradas por um ramo de hipérboles. O teórico, portanto, codifica essas medidas experimentas pela equação da hipérbole. Mas demonstra, também, por grandes esforços de análise, que não poderia ser de outra forma. Quando medidas mais rigorosas lhe permitirem aperfeiçoar sua curva, que doravamente se parece muito mais a uma curva de uma fórmula completamente diferente, ele codifacará o fenômeno com mais vigor, por esta nova equação. Mas demonstrará, por esforços não menores, o que era previsível, desde sempre.

O teórico crê na lógica. Acredita desprezar o sonho, a intuição e a poesia. Não vê que elas se disfarçam, essas três fadas, para o seduzir como um apaixonado de 15 anos. Não sabe que lhes deve seus mais belos achados. Elas se apresentam sob o nome de "hipóteses de trabalho", de "condições arbitrárias", de "analogia"; como poderia o teórico suspeitar que enganava a lógica austera e que, ao escutá-las, escutava o canto das musas... ?

Jean-Marie Conty contará a bela existência dos pilotos de teste. Mas ele foi politécnico. E afirmará que logo o piloto de testes não será mais, para o engenheiro, que um instrumento de medida. E eu por certo acredito nisso, como ele. Acredito, também, que vira o dia em que, sofrendo sem saber por que, nos entregaremos a uns físicos que, sem sequer nos interrogar, nos tirarão uma amostre de sangue da qual deduzirão algumas constantes a serem logo multiplicadas, umas pelas outras. Depois do que, consultando uma tábua de logaritmos, nos curarão com uma pílula. E, no entanto, quando eu sofrer, irei provisoriamente a um velho médico do interior, que me observará do canto do olho, baterá na minha barriga, colará contra meus ombros um velho lenço, através do qual escutará. Depois, tossirá um pouco, acenderá o cachimbo, esfregará o queixo e me sorrirá para melhor curar.

Ainda acredito em Coupet, Lasne ou Détroyat, para quem o avião não é somente uma coleção de parâmetros, mas um organismo que ausculta. Eles aterrissam. Discretamente, rodeiam o aparelho. Com a ponta dos dedos, acariciam a fuselagem, batem levemente na asa. Não calculam, meditam. Depois, dirigem-se ao engenheiro e, simplesmente: "Ai está... é necessário encurtar a asa".

Admiro a Ciência, é verdade. Mas admito também a Sabedoria.

A. de Saint Exupéry"

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