quarta-feira, 7 de julho de 2010

O esportista é um fingidor

Por Marcos Nobre

O esportista é um fingidor.

O ator de cinema não representa para um público, mas diante de um aparelho. Desempenhar bem significa passar por um teste extremamente exigente. No fundo, o que está em jogo é conseguir manter a dignidade humana diante de uma máquina.

Essa é uma das muitas sacadas do pensador Walter Benjamin, morto em 1940. Que acrescentou: "O interesse nesse desempenho é imenso. Porque é diante de um aparelho que a esmagadora maioria dos citadinos precisa alienar sua humanidade, nos balcões e nas fábricas, durante o dia de trabalho".

O cinema é a vingança noturna contra o dia de trabalho, em que máquinas dominam quem as opera. Difícil saber se a compensação do filme leva à transformação do mundo ou ao conformismo. Ou, o que parece mais plausível, às duas coisas ao mesmo tempo.

Mas é fato que a cultura do teste se espalhou por todos os domínios da vida, da política ao mundo da moda, da música ao esporte. Hoje, tem o formato de uma cultura da celebridade. Com a televisão, a democracia de massas passou a selecionar pessoas capazes de desempenhar diante da câmera, por exemplo. É um movimento que pasteuriza os conflitos e bloqueia o acesso da grande maioria das pessoas à esfera pública e à política.

Já a internet trouxe um contramovimento interessante. Vídeos tecnicamente elementares atraem milhões de espectadores na rede. Vale cantar fora dos padrões, dançar e representar como for possível, lançar filmes caseiros. Não teve o efeito de libertar por inteiro a sociabilidade da lógica do desempenho. Mas mostrou que o teste pode ter outro sentido que apenas o de excluir.

Walter Benjamin dizia que a cultura do teste mecanizado não se aplicava ao esporte, onde os limites são, por assim dizer, naturais, onde o adversário não é a máquina. Pode ser que mudasse de ideia ao assistir a uma Olimpíada, ou a uma Copa do Mundo nos dias de hoje.

A dor física dos esportistas é constante. O negócio bilionário do chamado "esporte de alto desempenho" exige literalmente sacrifício: são frequentes e esperadas fraturas, lesões, cirurgias. E o desempenho não é apenas físico e psicológico; exige ainda o desempenho diante da câmera. A mensagem é a de que uma disciplinada submissão à técnica traz a vitória pessoal e coletiva. Não se trata de vencer a máquina, mas de lhe ser obediente em máximo grau. No esporte oficial, a rebeldia é hoje tratada como delinquência.

Sem saudosismos, falta agora inventar outros sentidos para o teste esportivo. Para que possa ser outra coisa do que o produto pasteurizado de um sofrimento muito real.

Nenhum comentário: